Professor X Inovação: uma batalha perdida?


Há duas décadas atrás havia uma pergunta bastante frequente quando se falava em computadores e novas tecnologias: “será que um dia os computadores vão substituir os professores?”. Era o início da chegada dos computadores de forma massiva e, assim como ocorreu com o surgimento do rádio, e depois da televisão, do videocassete e tantas outras inovações, eram muitas as dúvidas sobre a possibilidade do professor perder a sua “função” e vir a ser substituído por uma dessas maquinetas. Mas uma coisa era tida como certa por quase todos: apesar das dúvidas, havia no fundo a certeza de que o professor jamais seria substituído por nenhuma máquina ou sistema tecnológico.

Estávamos errados! O tempo passou e, de fato, o professor daqueles tempos perdeu mesmo sua “função” para o computador e para as novas tecnologias de informação e comunicação que foram surgindo. Ainda temos professores nas escolas, e continuaremos a tê-los por muito tempo (pelo menos pelo tempo que durar a escola formal), mas a “função” que esse professor tinha há 20 anos atrás já amarelou e se apagou como as fotos antigas, e hoje já pode ser dispensada.

Alguns professores mudaram sua forma de atuação e “evoluíram junto com a sociedade”, mas aquele professor cuja metodologia de hoje é a mesma de 20 anos atrás, esse já pode ser substituído pelos computadores com grande vantagem para o aluno e para a sociedade. Dito dessa forma pode até parecer cruel demais, ou mesmo um “exagero”, mas essa é a dura realidade que vemos nas escolas reais.

Há 20 anos atrás a escola era essencialmente conteudista, propedêutica, excludente, hierárquica e mecanicista. O professor era uma figura adaptada a seu tempo, porque a escola de então tinha as mesmas características fundamentais da escola de quando ele, professor, esteve sentado em seus bancos, e de quando seus professores a frequentaram. Na verdade, a escola como instituição formal de ensino, e o professor, como figura central no processo de ensino e aprendizagem, tem mantida suas características principais desde que foi trazida da Europa pelos jesuítas, ainda no século XVI.

Eu aprendi a ser professor com os meus professores. Os meus professores aprenderam com os professores deles, que aprenderam com os professores deles, que aprenderam… E a regressão continua quase “ad infinitum“. Professores não aprendem a ser professores apenas na universidade, em cursos de pedagogia ou licenciaturas, ou lendo “teorias educacionais”. Professores aprendem a ser professores com todos os seus próprios professores, desde a primeira série escolar até o último ano da faculdade (ou da pós-graduação). Professores reproduzem não apenas conhecimentos curriculares, mas também técnicas, comportamentos, atitudes e ideologias que assimilaram durante sua formação. Professores são, essencialmente, réplicas ligeiramente modificadas de outros professores. E, se não fosse assim, como teriam se tornado em professores?

É certo que com o passar de muitos anos o professor vai adquirindo sua própria personalidade pedagógica, da mesma forma que adquire sua personalidade individual, em uma eterna luta para superar aquilo que ele mesmo julgava falho nos modelos de professores que ele teve quando era aluno. Mas, se por um lado essa é uma atitude consciente do professor que busca sua identidade própria, por outro, há milhares de comportamentos inconscientes que apenas reproduzem os modelos que ele teve durante sua própria formação. O professor que não toma consciência da necessidade de mudar sempre, este acaba não mudando quase nunca.

O que nós, professores, fazemos hoje de forma diferente da maneira como nossos professores fizeram a seu tempo? O que podemos julgar inovador, moderno, ajustado aos novos tempos e benéfico para nossos alunos? Quantos somos realmente “originais”? Nossos alunos são diferentes a cada ano, o mundo é diferente a cada novo dia, e nossa escola? E nós, professores?

A arquitetura dos prédios escolares, a disposição das salas de aula, o quadro negro (ou branco, ou verde, pouco importa), o giz, a caderneta, o caderno de anotações, as provas e a forma de avaliação, os conteúdos curriculares, a dinâmica das aulas, as cadeiras enfileiradas, a relação hierárquica com os alunos…. O que mudou na escola? O que mudou em nossas práticas pedagógicas, em relação aos nossos próprios professores?

Para alguns de nós, professores, há uma percepção clara de que muita coisa mudou. Mas mudou no mundo, não necessariamente em nós mesmos. Vemos uma escola complexa, alunos complexos, uma sociedade complexa, uma tecnologia complexa… Mas não nos vemos nessa complexidade. Nem sempre queremos ser parte dessa complexidade. Ainda pensamos “simples”, de forma “linear”, somos pautados por exemplos de pensar e agir que foram os únicos que tivemos. Então tudo nos parece estranho e complexo. Por isso tendemos a julgar que tudo piorou: porque não compreendemos, e porque tememos e desgostamos de tudo aquilo que não somos capazes de compreender.

É nesse contexto que “perdemos nossa função”. A escola atual, os alunos atuais, o mundo atual e suas múltiplas complexidades já não precisam mais de um professor “simples”, “linear” e limitado a reproduzir apenas aquilo que já foi reproduzido nele mesmo por seus próprios professores. Devemos muito aos nossos professores, sem dúvida, mas devemos mais ainda aos nossos alunos. Nossos professores estavam certos, ao tempo deles, e nossos alunos estão certos agora, no tempo que a eles pertence. O erro, que muitas vezes dói em nós ao ser percebido, a ponto de fazermos tudo para não percebê-lo, é que muitos de nós ainda lecionamos como nossos pais, avós e bisavós pedagógicos.

O computador e as novas tecnologias não poderão nunca substituir o professor como figura central do processo de ensino e aprendizagem, mas certamente já pode exercer a “função” que muitos professores exerciam há 20 anos atrás e que alguns de nós ainda tenta exercer hoje: “servir de depósito de informações”. A internet é, com certeza, um repositório de informações e respostas prontas muito maior do que qualquer professor individualmente.

Se pudéssemos traduzir o pensamento que nossos alunos expressam em suas atitudes de pouco caso, desinteresse e mesmo de desilusão com a escola, estabelecendo um paralelo entre o que fomos, nós professores, e o que são eles, os nossos alunos de hoje, talvez encontrássemos algo como: “Já não precisamos de professores que apenas tragam as informações para nós, o Google é mais rápido e eficaz nessa função. Não precisamos mais de lousa, ou mesmo de livros, para apenas copiar textos e depois reproduzir em provas e trabalhos, pois um simples CTRL+C seguido de um CTRL+V faz isso por nós. Não podemos ficar 50 minutos oferecendo nossa atenção integral a um professor que faz um monólogo triste sobre um tema que não nos interessa; nós queremos mais ação, mais rapidez, mais objetividade, mais interatividade, mais mobilidade, mais socialização, mais desafios. Já não tememos vocês, professores, e não compreendemos o significado de ‘hierarquia’; não queremos ficar enfileirados o tempo todo e nem presos às nossas cadeiras, ou trancados em nossas salas. Enfim, não queremos ser como vocês foram“.

A opção pelo uso pedagógico dos computadores e das novas tecnologias não é, e jamais deve ser entendida como, simplesmente “uma nova maneira de maquiar velhas práticas educacionais”, mas sim uma opção ideológica por romper com essas práticas. Não se pode pensar no uso das novas tecnologias sem pensarmos na mobilidade da informação, mas também, na mobilidade dos alunos. Não se pode pensar no uso dos computadores e da internet sem termos em mente que eles implicam em novas dinâmicas de aula, novas abordagens curriculares e novos currículos, novas práticas de ensino, uma nova didática e novas regras de convivência social no ambiente da escola.

As TICs não cabem no espaço pedagógico reduzido e pobre da velha escola, elas precisam de uma nova escola, de um novo professor. Talvez por isso seu uso tenha sido um fracasso em muitas escolas. As TICs e os alunos já vivem uma sinergia natural fora dos muros da escola; não se pode inseri-las na escola apenas como uma muleta para uma pedagogia capenga. A escola tornou-se uma ilha de exclusão, um museu pedagógico de velharias didáticas. E esta ilha está afundando rapidamente no meio do oceano das novas tecnologias, novas metodologias de aprendizagem e novas práticas didáticas.

O professor que atua hoje como atuava há 20 anos atrás já perdeu a batalha contra as “modernizações” e já pode ser considerado um dinossauro pedagógico em extinção. Tudo o que ele pode fazer por seus alunos é ensinar história: a história de como éramos quando o mundo era muito diferente do que é hoje e ainda mais diferente do que será quando seus alunos já estiverem fora da escola formal. Qualquer computador conectado à internet pode dar mais oportunidades de aprendizagem ao aluno atual do que esse professor.

A causa primeira que levou esse professor ultrapassado a perder a batalha que todos pensávamos ser imperdível, a ponto de poder ser substituído por máquinas que não pensam, não foi apenas o descaso para com as novas tecnologias digitais, a preguiça que o impediu de continuar aprendendo sempre, ou toda a lista de dificuldades que esse mesmo professor aponta como razões para seu fracasso. O que tornou esse professor ultrapassado foi a falta da modernização de sua  tecnologia educacional. As TICs podem não ser a solução para os problemas desse professor, mas certamente são parte importante dos problemas que ele não soube enfrentar.

(*) Para citar esse artigo (ABNT, NBR 6023):

ANTONIO, José Carlos. Professor X Inovação: uma batalha perdida?, Professor Digital, SBO, 10 jun. 2010. Disponível em: <https://professordigital.wordpress.com/2010/06/10/professor-x-inovacao-uma-batalha-perdida/>. Acesso em: [coloque aqui a data em que você acessou esse artigo, sem o colchetes].

12 comentários sobre “Professor X Inovação: uma batalha perdida?

  1. É muito importante e pertinente este tipo de abordagem, veja que até pouco tempo atrás tínhamos uma cópia em cada sala de aula de um cartaz proibindo o uso do celular. Não vejo como respeitoso usar o celular de forma que não possamos atender a quer requer nossa atenção. Mas a verdadeira mensagem que representava este cartaz estava por traz da dificuldade de saber utilizar determinada tecnologia e o fazer a favor da educação.

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  2. As pessoas sao acomodadas,nao vao atras de seus ideais,talvez por isso que alguns professores acabam sendo ultrapassados,nao conseguem aceitar que o mundo esta cada vez mais moderno,eles tem medo de dar um passo para o desconhecido,ficam inseguros

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  3. Amei este texto e quero dizer que se o li é porque estou preocupada em encontrar meios para melhor minha atuação, enquanto professora e também para auxiliar meus colegas, já que sou também pcp. Atuo na escola pública e privada e percebo que que a angustia se dá em ambas. Julgo-me uma profissão de cabeça aberta, mas confesso que o nono ainda me assusta porque percebo que os alunos estão cada vez mais atualizados, mesmo aqueles que moram em periferia e ou pertencem à classe de baixa renda. Não posso me queixar de que meus alunos não gostam de minhas aulas, mas sei que ainda estou tentando tornar meu papel de professor significativo.

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    • Olá Profa. Cida,

      Que bom que tenha gostado do artigo. Eu gosto, particularmente, da penúltima frase do texto: “O que tornou esse professor ultrapassado foi a falta da modernização de sua tecnologia educacional”. Modernizar-se não significa, necessariamente, se cobrir de apetrechos tecnológicos, mas sim rever as práticas, hábitos, técnicas, rotinas, metodologias, etc., que vimos usando ao longo dos anos. As TICs podem ajudar muito nisso, mas não são uma solução em si mesmas.

      Como PCP você pode e deve ajudar seus colegas nessa incessante batalha para “não ficar para trás e ser substituído por uma máquina burra: o computador”. Não desanime. Um passo após o outro, mas caminhando sempre, pode nos levar muito longe.

      Grande abraço,
      JC

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  4. Achei muito válido tudo que aqui foi dito e bastante interessante a postura tanto de professor quanto de aluno ,eu como universitária prestes a ser professora e no caso atualmente aluna de uma universidade federal semi-presencial,percebo o quanto a tecnologia ajuda quem realmente tem visão de evolução e mudança,mas em contrapartida afirmo categoricamente que nenhuma informação que o google ou qualquer outro site de busca ou grupo de estudo on line possa trazer,substitui o calor humano da presença do colega e do tutor (NO MEU CASO ACABA SENDO MEIO” PROFESSOR”,na verdade ele é o facilitador mas a sua presença é muito importante,ser auto-didata não é nada fácil,portanto meus amados amigos professores aceitem e se abram as mudanças adequando a tecnologia com seus benefícios ao ensino sem medo de concorrer com ela por que a tecnologia,os computadores,celulares,net,ou notebooks jamais serão concorrentes do ser humano!

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  5. É preciso esclarecer se quem escreve está falando de escola particular ou pública, senão os comentários perdem sentido. Conversando sobre o tema com meus alunos, futuros professores, sendo que alguns lecionam já em escola pública, vemos que o acesso aos computadores fornecidos pela escola pública é quase nulo, estão em sala que somente pode funcionar tendo monitor, o curso noturno não tem monitor, e mesmo com monitor resulta difícil um aluno poder usar. E a ideia de dar um micro por aluno, achamos que não vai dar certo, pois os micros vão sumir ou os alunos vão usar para outras atividades. Aguardo por comentários de professor que consegue trabalhar com computador e internet com seus alunos.

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    • Olá José J. Lunazzi,

      As dificuldades de uso das Salas de Informática existem tanto na rede particular quanto na rede pública. Um número bastante elevado de escolas da rede pública possui Salas de Informática funcionais, muito embora esse número ainda possa e deva melhorar muito. Na rede privada, onde o número de salas de informática é maior (percentualmente), também há uma enorme ociosidade nas salas por parte dos professores.

      Não há necessidade de um monitor na Sala de Informática para que o professor a utilize, e algumas escolas treinam seus próprios alunos-monitores para auxiliarem os demais alunos e para cuidarem da Sala de Informática quando os alunos a utilizam sozinhos (e não em uma atividade regular do professor).

      A questão apontada no artigo diz respeito ao profissional que tem se recusado a utilizar os recursos disponíveis e tem resistido a usar as TICs “até para ele mesmo”, obviamente, não trata dos casos em que os recursos não estão disponíveis.

      Quanto ao projeto OLPC, é difícil saber como os alunos usarão esses computadores fora da escola, dado a diversidade de cenários possíveis, e talvez alguns desapareçam mesmo. Mas se fizéssemos o mesmo raciocínio para os livros didáticos, e mesmo os livros da biblioteca das escolas, talvez também não os distribuíssemos e nem montássemos bibliotecas, pois poucos alunos os utilizam e eles também desaparecem (e parte tem que ser reposta todo ano).

      Por fim, muitas escolas “evitam usar a Sala de Informática” e isso é realmente muito cômodo para a gestão da escola e para os professores que se recusam a modernizar suas práticas de ensino. Pena que nem esses gestores e nem esses professores estejam realmente preocupados com seus alunos, que são, de fato, os donos dessas salas e aqueles que precisarão de uma educação que lhes possibilite usar as TICs ao longo de todo o resto de suas vidas.

      Recomende esse blog aos seus alunos e sugira que eles também deixem seus comentários aqui. Quanto maior a diversidade de opiniões e vivências relatadas, maior será a riqueza da informação compartilhada, concorda?

      Abraço,
      JC

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  6. O texto já disse praticamente tudo, mas eu quero sugerir um aspecto que poderia ter sido acrescentado ao texto:

    Se um professor é submetido a uma prova de avaliação, por exemplo, os resultados sendo bons ou ruins, não fariam diferença, porque o aluno é que deveria ser o avaliador que, de fato, sempre foi, mas os profissionais pedagógicos são cegos em relação a isso. O aluno nota nitidamente a postura ultrapassada de um professor quando este não se interessa em melhorar o planejamento.

    São tantos alunos que sugerem aulas de audiovisual como o data show, por exemplo, cobram incansavelmente, mas alguns professores não aceitam novos desafios e se rendem facilmente e por isso nunca irão aprender que o computador é uma ferramente de ajuda complementar aos livros, mas não devem jamais ser substituidos pela internet. Quando isso não acontece, o próprio professor preguiçoso está indiretamente incentivando simples cópias de textos numa pesquisa escolar.

    É a permissão que vai produzir, no futuro, alunos com total ausência de opinião própria e sõ irão querer apenas passar de ano sem interesse em saber que 1 + 1 = 2.

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  7. É exatamente isso que acontece com o professor hoje, medo da mudança e da inovação, experimentar o desconhecido como forma de trasnformação em sua vida.É um comentário próprio para a classe do magistério em especial alguns professores.

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