Resumo
Na década de 1990 já se vislumbrava a remodelagem da sociedade e suas práticas cotidianas em função da inserção dos computadores em todos os ambientes sociais. Atualmente é clara a importância da computação na nuvem como ferramenta natural da evolução desses processos computacionais. A computação na nuvem é um conceito ainda pouco compreendido pela maioria das pessoas, inclusive pelos educadores, e isto acarreta um uso pouco eficaz de suas potencialidades, principalmente as pedagógicas.
A computação na nuvem já é uma realidade. Nossa relação com o universo de aplicativos, redes sociais e serviços diversos da internet se dá essencialmente na nuvem. Compreender essa imersão e suas potencialidades e riscos é fundamental para o educador responsável por educar a geração do século XXI.
Neste artigo discutimos de forma simplificada, porém objetiva, o conceito de computação na nuvem, a forma como esta se insere na vida pessoal e profissional dos educadores e suas potencialidades para a ação pedagógica tendo em vista as aprendizagens desejadas para o século XXI.
Palavras-chave: Computação na nuvem; TDIC; uso pedagógico.
Afinal, o que é a “nuvem”?
A “nuvem” é um nome simbólico, quase icônico, para designar as máquinas interligadas pela rede mundial de computadores que constituem a internet. Para entender um pouco mais sobre seu funcionamento precisamos retomar brevemente a própria história da internet e das redes de computadores.
Em suas origens remotas, as redes de computadores visavam principalmente o armazenamento e o compartilhado de dados, de maneira que fosse possível obter ou recuperar rapidamente dados dispersos por vários computadores distribuídos em locais distantes um do outro.
O projeto inicial da internet nasceu de uma iniciativa militar americana conduzida pelo Pentágono em 1969, em tempos de guerra fria, a ARPANET, desenvolvida pela ARPA (Advanced Research Projects Agency Network, “Agência de Pesquisas em Projetos Avançados”).
Com o passar do tempo, a evolução da tecnologia, o desenvolvimento de novas ideias e a possibilidade de uso comercial de uma rede com essas características, nasceu a internet como a conhecemos atualmente.
No entanto, a possibilidade de comunicação entre os computadores não permite apenas que eles armazenem e troquem informações, mas também que eles possam executar tarefas de forma colaborativa. Quanto uma máquina distante executa uma certa tarefa de computação para outra máquina que a solicitou, temos o que chamamos de “computação na nuvem”.
Assim, muitas tarefas que no início da era dos computadores eram executadas apenas localmente, como a edição e formatação de um texto, por exemplo, passaram também a poderem ser executadas em máquinas distantes. Hoje, ao escrever este texto, estou digitando em meu computador, no meu escritório, mas todo o processamento necessário para formatá-lo e armazená-lo está sendo feito por computadores muito distantes de onde estou e, na verdade, nem imagino onde estes computadores estejam!
Vantagens e desvantagens da computação na nuvem
Há diversas vantagens em se utilizar a computação na nuvem:
- O armazenamento de dados pode ser feito na própria nuvem, dispensando a necessidade de armazenamento local e garantindo maior segurança, tanto do ponto de vista do acesso controlado aos dados quanto do ponto de vista da perda de dados devido a acidentes.
- Os dados armazenados na nuvem podem ser facilmente compartilhados por pessoas distantes e que utilizam equipamentos dos mais variados, não sendo necessário sequer que sejam compatíveis uns com os outros. Além disso, o acesso aos dados na nuvem pode ser feito a qualquer momento, pois os servidores da nuvem estão (quase) sempre online.
- Os computadores da nuvem não requerem manutenção nem upgrades por parte do usuário e, geralmente, possuem um poder de processamento suficiente para realizarem os serviços que oferecem. Assim, o usuário fica livre dos custos de aquisição e manutenção de equipamentos atualizados e potentes.
- O uso da nuvem dispensa a necessidade de muitos softwares instalados na máquina do usuário. Muitas aplicações sofisticadas, que custariam caro para serem adquiridas e exigiriam máquinas com grande poder de processamento podem ser utilizadas pelo usuário a partir do acesso por meio de um dispositivo simples e barato que pode ser até mesmo um smartphone.
Na prática, a nuvem se comporta como um grande computador poderoso, sofisticado, com enorme capacidade de armazenamento e excelente disponibilidade, além de ser seguro e, geralmente, gratuito.
Mas como tudo no mundo, a nuvem também tem suas desvantagens e riscos:
- O usuário pode perder seus dados se perder o acesso ao serviço que os armazena. Isso pode acontecer, por exemplo, se o usuário perder a senha utilizada para acessar o serviço e não tiver como recuperá-la.
- Os serviços gratuitos nem sempre oferecem todas as possibilidades que o usuários gostariam de ter, limitando assim o uso de recursos e serviços disponíveis a determinados pacotes mínimos e estimulando o usuário a adquirir pacotes de serviços mais completos e que são pagos. Algumas vezes o custo do pacote completo de serviços assemelha-se ao custo de aquisição da licença de uso de um software equivalente.
- O uso da nuvem requer acesso à internet. Embora os servidores da nuvem estejam quase 100% do tempo ativos e disponíveis, o usuário pode enfrentar problemas locais e pessoais de acesso à rede, como a falta de conexão. Sem a conexão com a internet obviamente a nuvem fica completamente indisponível.
- A diversidade de oferta de serviços de computação na nuvem e a ausência de um único serviço que cubra a maior parte das necessidades do usuário leva a uma dispersão dos dados, à necessidade do gerenciamento de diversas contas de acesso e de uma organização local para manutenção de logins e senhas, tornando o uso da nuvem mais complexo do que poderia ser.
- A nuvem não é verdadeiramente gratuita, pois o usuário geralmente paga pelo serviço fornecendo seus dados pessoais e informações sobre seus hábitos na rede e fora dela. As empresas que oferecem serviços na nuvem utilizam esses dados para vender espaços de propaganda específicos para outras empresas. Assim, ao fornecer seus dados em troca de um serviço gratuito, o usuário também aceita receber propagandas dessas empresas parceiras.
O uso pessoal da nuvem pelo educador
Para o educador o uso pessoal da nuvem, com todas as vantagens e desvantagens listadas anteriormente, se torna tão importante quanto o uso local de um computador que lhe permita realizar suas tarefas pessoais e profissionais.
A infinidade de aplicativos disponíveis atualmente, na sua maioria gratuitos e que podem ser executados a partir de smartphones, permite que o educador utilize este dispositivo em substituição ao próprio computador em grande parte das situações cotidianas, embora o computador continue sendo uma ferramenta pessoal e de trabalho imprescindível para o educador.
Além de poder utilizar a nuvem como uma extensão, ou mesmo em substituição, do seu computador pessoal, o educador também ganha muito em termos de eficiência no que diz respeito à comunicação. Tarefas que exigem comunicação com outras pessoas, colegas e alunos, requerem atualmente o uso da internet e, portanto, são naturalmente mais facilmente executadas a partir de aplicativos e bases de armazenamento de dados da nuvem.
As formas contemporâneas de comunicação, baseadas fortemente no uso de redes sociais, e o fato dessas redes sociais serem aplicações da computação na nuvem, também levam o educador naturalmente a se inserir nesse universo mesmo que não se dê conta de que está nele. Dessa forma, o uso da computação na nuvem já faz parte do cotidiano e do uso pessoal, e talvez profissional, do educador, restando apenas a tomada de consciência da potencialidade desse uso também no campo pedagógico da sua atuação direta com seus alunos.
O uso pedagógico da nuvem pelo educador
Segundo a Base Nacional Comum Curricular, uma competência curricular geral é
Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva. (BNCC, p. 9)
Uma vez que o educador já faz uso pessoal da nuvem quando acessa suas redes sociais, quando utiliza aplicativos diversos para a realização de tarefas cotidianas (acesso a bancos, compras, comunicação, entretenimento e informação, por exemplo), o uso pedagógico da nuvem passa a ser uma extensão natural das possibilidades oferecidas e, em especial, no que diz respeito ao compartilhamento de informações e ao trabalho colaborativo.
A nuvem permite que o professor tenha acesso e possa ser acessado por outras pessoas de qualquer parte do mundo, e dentre elas seus alunos. Na nuvem o professor pode obter e fornecer recursos variados. Em outras palavras, um livro que o professor possua armazenado na nuvem (como no Google Drive, por exemplo) é um livro que pode ser compartilhado com todos os seus alunos. Um aplicativo da nuvem utilizado pelo professor para a realização de uma dada tarefa, como a construção de um mapa mental, pode também ser utilizado pelos seus alunos, inclusive de forma colaborativa.
A nuvem permite que o educador compartilhe informações, atividades e afazeres com seus alunos de forma dinâmica, criando, inclusive, possibilidades inusitadas no terreno da escola tradicional, como a realização de uma tarefa conjunta, envolvendo o educador e seus alunos, fora do ambiente escolar e do horário de funcionamento normal da escola.
Apenas como um dos muitos exemplos desse novo paradigma decorrente da expansão do conceito de escola e aprendizagem, considere uma atividade em que o educador propõe aos seus alunos que comentem conjuntamente, e simultaneamente, um determinado filme que passará na TV aberta fora do horário habitual de aula. Como é possível fazer isso e avaliar a atividade?
Dentre as muitas possibilidades podemos citar o Twitter (usando-se uma hashtag que identifique a atividade), o Facebook (em um grupo especialmente criado para a atividade), um documento compartilhado do Google Drive ou qualquer outra ferramenta da nuvem que permita edição colaborativa em tempo real e que mantenha o registro das contribuições de forma a identificar o usuário colaborador (o que, em alguns casos, nem é necessário).
É importante ter em mente que 82% das crianças e adolescentes com mais de 9 anos acessam a internet, e destas, 91% acessam a internet a partir de seus smartphones (TICS KIDS ONLINE BRASIL, 2016, p. 99). Isso, na prática, significa que a nuvem já é um recurso disponível para a maioria dos alunos e que não precisa ser provido, necessariamente, pela escola. Apesar disso, cabe sempre ao educador ter em mãos um levantamento realista dos recursos disponíveis entre os próprios alunos antes de propor atividades que exijam esses recursos. A garantia de acesso às atividades propostas pelo professor é um direito do aluno que deve ser respeitado sempre.
Já o uso da nuvem pelo educador e seus alunos, em si, não constitui nenhuma dificuldade, pois todos já estamos imersos nessa nuvem. O que é realmente necessário, e só pode ser provido pelo educador, é o caráter pedagógico desse uso em atividades de ensino e aprendizagem.
Numa atividade como a que foi sugerida hipoteticamente, cabe ao educador planejar e orientar para que ela se frutifique em aprendizagens. Perguntas orientadoras como “O que o aluno vai aprender ou desenvolver com a atividade?”, “Qual a melhor ferramenta da nuvem a ser utilizada para esse propósito de aprendizagem?”, “Como posso me certificar de que ocorreram as aprendizagens pretendidas?”, são bons pontos de partida para um planejamento bem estruturado de utilização da nuvem.
Na atividade tomada como exemplo, o educador pode explorar aprendizagens da área de Linguagens, como a escrita formal ou a coloquial, a capacidade de expressão do aluno, a capacidade de resumir uma ideia em poucas palavras (no caso do Twitter, principalmente), as técnicas de debate quando houver discordâncias de opinião, a capacidade de articular ideias, etc. Já um educador que lecione Física pode requerer que sejam comentadas algumas cenas do ponto de vista da aplicação das leis físicas (principalmente se se tratar de um filme de contexto científico). Situações semelhantes podem ser pensadas para todas as disciplinas do currículo. Enfim, a tarefa do educador é sempre a de vislumbrar as possibilidades de aprendizagem e criar um bom roteiro antes de propor a atividade.
A avaliação das atividades fica sempre facilitada quando há um registro permanente das interações dos alunos. Assim como textos, livros e filmes podem ser armazenados e compartilhados na nuvem, também se pode armazenar e compartilhar análises, opiniões e intervenções dos alunos e do próprio professor. E pelo caráter de acessibilidade e transparência da nuvem quando utilizada de forma colaborativa, a própria avaliação do educador e dos alunos passa a ser um instrumento mais democrático e eficiente, podendo, inclusive, ser uma tarefa conjunta e não solitária do educador.
Por fim, por seu caráter colaborativo e democrático, o uso da nuvem requer aprendizagens sobre ética, cidadania, valores morais e competências comportamentais próprias das exigências do ensino para o século XXI. Essas aprendizagens não são penduricalhos transversais ao currículo, mas constituem-se cada vez mais no próprio currículo necessário para a cidadania digital. Não se pode conceber um uso irresponsável da nuvem quando se tem em mente que esse uso passou a ser corriqueiro e está cada vez mais inserido nas práticas curriculares.
Conclusão
O uso pedagógico da nuvem é uma extensão natural do uso profícuo da mesma pelo educador em suas práticas cotidianas, pessoais e profissionais. O uso pedagógico da nuvem, assim como todo o universo da informática, não é apenas uma possibilidade dentre muitas escolhas, mas antes uma necessidade diante de uma práxis já consolidada, ainda que nem sempre seja compreendida como tal.
O educador precisa fazer um uso cada vez mais proficiente da nuvem tanto para dar conta de sua vida pessoal e profissional quanto para dar conta de implementar metodologias dinâmicas de ensino para um público que também já se utilizada da nuvem de forma cotidiana. Vale lembrar que grande parte das crianças com mais de 10 anos já possuem smartphones e acessam a internet rotineiramente.
O caráter pedagógico do uso da nuvem se dá pelo planejamento de atividades de ensino com a explicitação das aprendizagens pretendidas, da estratégia de uso da ferramenta tecnológica empregada e dos critérios de avaliação que devem ser considerados. É ao educador que cabe a tarefa de planejar e delimitar as aprendizagens pretendidas. Na elaboração desse planejamento são fundamentais a presença clara dos objetivos, competências, habilidades e elementos do currículo que serão trabalhados, bem como o nível de abordagem deles.
Para consultar na internet:
ANTONIO, José Carlos. Uso pedagógico do GoogleDocs, Professor Digital, SBO, 08 fev. 2010. Disponível em: <https://professordigital.wordpress.com/2010/02/08/uso-pedagogico-do-googledocs/>. Acesso em: 19 jul de 2018.
ANTONIO, José Carlos. Uso pedagógico do telefone móvel (Celular), Professor Digital, SBO, 13 jan. 2010. Disponível em: <https://professordigital.wordpress.com/2010/01/13/uso-pedagogico-do-telefone-movel-celular/>. Acesso em: 19 jul 2018.
BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Disponível em <http://basenacionalcomum.mec.gov.br/#/site/base/o-que>. Acesso em: 19 jul 2018.
O que é Computação em Nuvens? Artigo de informação básica sobre a computação na nuvem e exemplos de aplicativos e ambientes de computação em nuvem. Disponível em <https://www.tecmundo.com.br/computacao-em-nuvem/738-o-que-e-computacao-em-nuvens-.htm>. Acesso em: 19 jul 2018.
TIC Kids Online Brasil [livro eletrônico] : pesquisa sobre o uso da internet por crianças e adolescentes no Brasil 2016 = ICT Kids Online Brazil : survey on Internet use by children in Brazil 2016 / Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR. — São Paulo : Comitê Gestor da Internet no Brasil, 2017. 3.700 Kb ; PDF. Disponível em <http://cetic.br/media/docs/publicacoes/2/TIC_KIDS_ONLINE_2016_LivroEletronico.pdf>. Acesso em: 19 jul. 2017.
(*) Para citar esse artigo (ABNT, NBR 6023):
ANTONIO, José Carlos. O uso pedagógico dos recursos de computação na nuvem, Professor Digital, SBO, 19 jul. 2018. Disponível em: <https://professordigital.wordpress.com/2018/07/20/o-uso-pedagogico-dos-recursos-de-computacao-na-nuvem>. Acesso em: [coloque aqui a data em que você acessou esse artigo, sem o colchetes].