O uso das TICs na gestão pedagógica do processo de ensino e aprendizagem


O objetivo deste texto é apresentar e discutir alguns problemas práticos de gestão pedagógica que afetam diretamente o aluno, o professor e a coordenação das escolas sob a ótica da inserção das TICs na dinâmica e no cotidiano da escola e do trabalho do professor.

Os “estudos de caso” e exemplos apresentados aqui foram implementados e testados por mim ao longo dos útimos 4 anos na escola onde atuo como professor efetivo de física. Alguns exemplos dizem respeito à minha prática cotidiana como professor e outros à coordenação pedagógica da escola (com a qual contribuo com sugestões e algum trabalho de bastidor).

A sala de aula – aspectos práticos da gestão pedagógica e o uso de TICs

Por trás da figura do professor não reside apenas um “explicador de conteúdos”, ou mesmo de um “facilitador da aprendizagem”, mas também a de um gestor. Ao professor não cabe apenas ensinar, ou facilitar a aprendizagem, mas também:

  • avaliar o processo de ensino e aprendizagem por meio de ferramentas diversas que incluam uma série de observações diretas do aluno, provas e testes, trabalhos e tarefas, além da frequência do aluno e de aspectos sócio-educativos não mensuráveis quantitativamente, mas passíveis de avaliação diferencial;
  • registrar todas essas avaliações, informações e suas observações sobre os alunos e sobre o processo de ensino e aprendizagem, bem como relatar os tópicos do currículo que estão sendo abordados, as estratégias e as atividades que estão sendo desenvolvidas com os alunos;
  • analisar os resultados obtidos por diferentes formas de avaliação e coleta de dados e, à partir deles, tomar decisões de caráter pedagógico, de forma a replanejar suas estratégias de ensinança com base em critérios objetivos efetivamente observados e registrados;
  • dar transparência, divulgar e discutir os resultados obtidos pelos alunos com os próprios, com a coordenação pedagógica da escola e com os responsáveis pelos alunos.

Burocracia?Em termos práticos isso implica em um trabalho extenso de gerenciamento de dados e que é efetivamente realizado dentro e fora da sala de aula, mas principalmente fora desta, tomando muitas “horas-extras” que poderiam ser destinadas ao lazer e à aprendizagem continuada do professor. Assim, implementar meios de melhor gerenciar esse aspecto do trabalho do professor significa também prover meios para executar melhor o seu trabalho e lhe garantir uma melhor qualidade de vida, pessoal e profissional.

O que vemos em muitos lugares, no entanto, é uma expressiva quantidade de professores que ainda não utiliza o computador, a internet e outras facilidades tecnológicas em seu cotidiano; nem como ferramentas pedagógicas para ensinar, nem como ferramentas administrativas para gerir o processo de ensino e aprendizagem.

Diário de classeAs práticas arcaicas de gerenciamento do processo de ensino e aprendizagem, que ainda são visíveis na maioria das escolas, remontam à época em que esses mesmos professores eram alunos da escola primária. Assim, o que se vê na maioria das salas de aula ainda é um professor que utiliza apenas uma caderneta e, quando muito, um caderno auxiliar de anotações, quando deveria estar usando um notebook e as ferramentas web 2.0 da internet.

Como consequência desse processo arcaico de gerenciamento, muitos professores evitam registrar as atividades solicitadas aos alunos, e alguns evitam até mesmo propor essas atividades, porque isso lhes demanda muito tempo e muito trabalho. O que muitos chamam de processo de avaliação na verdade não passa de um conjunto de duas provas por bimestre e, quando muito, uma terceira nota de “participação“, atribuída geralmente de forma subjetiva conforme a simpatia que o professor tem pelo aluno. Há até mesmo professores que dizem-se capazes de avaliar seus alunos “olhando para sua alma”, numa referência clara à falta de critérios mensuráveis de avaliação.

O resultado disso é um ensino pobre, porque prescinde de critérios objetivos de análise e, consequentemente, não provê meios de tomada de decisão eficientes. A justificativa para isso é quase sempre a mesma: falta tempo para o professor poder se dedicar melhor aos seus alunos. Mas será que o que falta é tempo, ou falta também uma metodologia mais eficaz de gerenciamento de informações?

Temos hoje em dia tecnologias capazes de gerir enormes quantidades de informação e de facilitar a análise desses dados por meio da computação. O termo computador tem em si mesmo o significado de algo que faz cálculos, que computa dados. Não utilizar um computador como parte natural da atividade de gestão do professor, tendo um à sua disposição, é o mesmo que escrever com caneta de pena e tinteiro tendo à disposição uma caneta esferográfica, ou recorrer a um retratista da renascença para ter uma imagem da família ao invés de tirar uma simples fotografia com uma câmera digital. E, no entanto, ainda temos muitos professores que possuem computadores e não os utilizam. E, nesses casos, a desculpa mais comum é de “não sabem como utilizá-lo”.

Professor conectadoCom uma simples planilha de cálculo pode-se gerenciar a maioria dos dados numéricos e registros de avaliação e tarefas dos alunos. Isso pode ser feito coletando-se esses dados em classe e depois digitando-se os mesmos no seu computador desktop (aquele que fica em casa, em cima de uma mesma e que inclui uma torre e um monitor) ou diretamente em um notebook que pode ser levado para a sala de aula. É óbvio que a segunda alternativa é bem mais inteligente e promissora. Um notebook pode ser comprado hoje por um preço inferior a U$ 700,00 (e pode ser pago em 12 ou mais prestações).

Contando com a colaboração dos próprios colegas professores, ou mesmo dos alunos, o professor pode rapidamente aprender como construir uma planilha de cálculo que não apenas sirva para registrar as informações como também para totalizá-las, gerar gráficos e estatísticas. O investimento de tempo necessário para aprender a fazer isso é imensamente menor do que o tempo total dispendido para trabalhar com esses dados sem o uso de um computador.

Além disso, uma vez feita uma planilha de cálculo para uma sala, ela pode ser reproduzida para as demais sem nenhum custo extra de aprendizagem ou de tempo. Se pensarmos em professores que têm que adminsitrar 10, 15 ou mesmo 20 salas de aula e centenas de alunos, fica claro que um instrumento que permita replicação e reutilização é, sem dúvida, uma ferramenta poderosa de gerenciamento. Essas planilhas podem ser reproduzidas e reutilizadas ao longo do ano letivo e dos próximos anos letivos.

As estatísticas que podem ser geradas nas planilhas de cálculo fornecem informações importantes sobre o conjunto de alunos de uma classe e sinalizam ao professor que problemas ele tem que enfrentar com aquela turma específica. Estatísticas como média, mediana, moda, desvio padrão, distribuição de frequências de notas e outras, permitem compreender melhor o perfil da sala e sua heterogeneidade.

Digitando dadosO registro eletrônico das notas, atividades e tarefas também permite ao professor recuperar essas informações de forma rápida e organizada, substituindo com grande vantagem as anotações em papel. A possibilidade de transportar essas informações em um simples pendrive, ou de torná-las acessíveis de qualquer lugar por meio da internet, faz com que a informação adquira características que não se tem com os registros em papel: a mobilidade e a acessibilidade. Além disso, embora esses registros e cálculos possam ser feitos em papel, na caderneta do professor, esta fica retida na escola, impedindo que a informação tenha mobilidade e acessibilidade.

Por fim, o uso de meios de publicação e divulgação dessas informações, via internet, dá transparência e visibilidade ao trabalho do professor e permite o acesso à essas informações pelos alunos, por seus responsáveis e pela própria coordenação da escola.

Um relato de estudo de caso

Já há alguns anos venho usando as TICs na gestão de minhas classes de forma sistemática e, à partir desse ano, tenho intensificado o uso de ferramentas da web 2.0 como instrumentos naturais de registro e publicação de informações que podem ser compartilhadas por todos. Embora eu tenha disponibilizado essas ferramentas e recursos no meio site, elas poderiam ser igualmente disponibilizadas em um blog.

Os meus alunos, seus responsáveis ou quem mais quiser, podem hoje consultar via internet:

  • Avisos e notícias importantes sobre as atividades cotidianas (atualizado semanalmente);

News alunos

  • Uma agenda escolar com datas de eventos importantes para os alunos (atualizado conforme a necessidade);

Agenda escolar

  • O meu diário de classe com as atividades, conteúdos e observações de cada aula (atualizado semanalmente);

Diário escolar

  • Um controle de frequência com o registro das presenças e faltas dos alunos, e das notas correspondentes a essa frequência (que fazem parte da matriz de avaliação que utilizo). Esse registro é atualizado em tempo real, durante a chamada nominal feita em classe;

Controle de frequência

  • Um controle de atividades que fornece também a nota equivalente ao desempenho do aluno ao longo do bimestre. Essa nota também faz parte da minha matriz de avaliação e é atualizada em tempo real;

Controle de atividades

  • Um controle de avaliações que fornece também a nota final referente às provas e trabalhos (atualizado conforme a ocorrência de alguma avaliação desse tipo);

Controle de avaliações

Além dessas ferramentas os alunos também têm à disposição um plantão de dúvidas online que podem utilizar para me consultar por e-mail, uma biblioteca digital onde encontram materiais didáticos, provas corrigidas e resultados gerais de avaliação (dentre outros materiais) e, finalmente, links para meus blogs (incluindo o blog de física). Você pode ver essas ferramentas em uso acessando o meu site.

Ao final de cada bimestre todas essas informações são totalizadas em uma planilha que simplesmente coleta esses dados diretamente da internet e me fornece um relato completo da situação de cada classe, incluindo o cálculo da média final, estatísticas e gráficos. Além disso, tendo essas informações em mãos, eu posso a qualquer momento gerar outras planilhas com qualquer tipo de análise que julgar importante. Perguntas como “quais  alunos que não estão fazendo tarefas e que estão apresentando rendimento insatisfatório?” ou, “quais alunos tem notas finais entre 5 e 7, mas faltaram em, pelo menos, quatro aulas?”, podem ser respondidas de forma instantânea.

Planilha final

Informações de análise como essas não aparecem na caderneta do professor e nem são cobradas pelas secretarias das escolas, mas são fundamentais para se compreender como o processo de ensino e aprendizagem está transcorrendo.

Todas essas ferramentas demandaram um tempo para serem planejadas e implementadas, mas me poupam uma enorme quantidade de tempo e de trabalho para gerenciar todas as informações que coleto no processo de ensino e aprendizagem. O resultado final disso tudo me permite avaliar melhor o meu trabalho, dá transparência ao que faço e acesso às informações por parte de todos e, além disso, é muito bem visto pelos alunos.

É evidente que não é necessário que nenhum professor tome esse exemplo de estudo de caso como meta imediata a ser obtida, mas é claro também que o que estou relatando nesse exemplo é um resultado efetivo, real e, portanto,  possível. Cada professor pode, ao seu ritmo e conforme suas necessidades, ir implementando essa automatização em seu cotidiano de trabalho. Ao final de alguns anos esse professor terá à sua disposição uma infinidades de ferramentas e técnicas que nunca sonhou em ter antes.

A coordenação pedagógica – aspectos práticos da gestão pedagógica e o uso de TICs

Do lado da coordenação pedagógica e da gestão da escola, as TICs já se encontram inseridas em muitos momentos, mas podem ser ainda bastante exploradas.

As reuniões pedagógicas, onde os professores têm que recorrer às suas velhas cadernetas para obterem informações mais precisas sobre o desempenho de seus alunos, podem ser bem mais dinâmimcas se a coordenação dispuser dessas informações já coletadas, centralizadas e transformadas em informações úteis. A geração de um boletim digital do aluno, que forneça suas notas, sua foto, sua frequência e seu desempenho global é uma ferramenta poderosa nesse momento.

Da mesma forma, todas as ocorrências disciplinares, afastamentos por licença médica e outras observações podem ser armazenadas digitalmente e tornadas acessíveis para essas reuniões. O trabalho para se produzir esse banco de dados não é maior do que o trabalho que já se tem para fazê-lo em papel e, além disso, as possibilidades decorrentes do uso do computador e das TICs ampliam em muito a potencialidade de uso dessas informações por permitirem diferentes agrupamentos de dados e formas de visualização das informações.

Como muitos professores ainda mantém apenas registros em papel, e nem sempre têm suas cadernetas atualizadas, a criação de meios digitais de armazenamento de dados, onde essas informações possam ser compartilhadas, abre perspectivas interessantes para uma gestão mais eficaz do cotidiano da escola. Se imaginarmos que todos os professores possam compartilhar um documento de registro que totaliza as informações sobre os alunos e permite que qualquer um deles e, em especial, a coordenação da escola, tenha acesso a essas informações em tempo real, estaremos então falando de um processo que pode ser avaliado sob demanda, em tempo real e de forma inovadora.

Isso não está distante da realidade das escolas do ponto de vista tecnológico, mas ainda está distante do ponto de vista dos paradigmas de gestão que ainda traçam os rumos das ações da gestão, da coordenação e dos próprios professores com base em uma praxe arcaica. Enxergar essas novas possibilidades e dar a elas a oportunidade de se mostrarem efetivas é parte de um processo de atualização da escola e da própria Educação. Não é mais possível continuar gerindo o processo educacional com base em teorias e práticas administrativas do século passado e esperar obter com isso a eficiência que gostaríamos de ter no século XXI.

Mais um relato de estudo de caso

Esse é o quarto ano em que usamos em minha escola um sistema de centralização de notas e geração de boletins usando as TICs. É um sistema simples que eu mesmo desenvolvi usando planilhas de dados e a internet. Na versão em uso nesse ano os professores acessam a internet para digitarem as notas e faltas dos alunos e essas informações são coletadas automaticamente por planilhas eletrônicas da coordenação.

Um subproduto direto desse processo é o banimento das antigas papeletas de notas que vêm anexadas nas cadernetas dos professores e a possibilidade do professor poder consultar suas próprias notas e ade seus colegas pela internet, a qualquer momento e de qualquer lugar. Além disso, ao longo do bimestre, ele pode alterá-las a qualquer momento e essa alteração é registrada de forma automática no controle da coordenação.

Planilha de digitação de notas on-line

Outro subproduto que utilizamos bastante é a geração de um boletim que pode ser impresso e entregue aos alunos, além de poder ser projetado em um telão durante as reuniões pedagógicas.

Evidentemente muitas outras informações podem ser agregadas a essa planilha de controle da coordenação, de maneira que, de forma rápida e prática, ela possa dispor de uma infinidade de informações de cada aluno, de cada classe ou da escola toda. Isso tudo seria praticamente impossível sem o uso dos computadores e da internet e, no nosso caso específico, também não seria possível se a gestão da escola não tivesse investido na idéia e oferecido suporte para sua implementação.

À gestão da escola e à coordenação pedagógica cabem muito mais a coragem da mudança e das tomadas de decisão do que a resolução direta dos problemas. Para que tudo isso funcione bem na minha escola foi preciso que eu e outros professores contribuíssemos de alguma forma para a implementação das mudanças, mas nada disso seria possível se a própria gestão da escola não acreditasse nessas mudanças.

Da teoria à prática – implementando idéias

Depois de tudo pronto parece tudo fácil, mas por onde podemos começar? Como podemos transformar uma escola de gestão tradicional em uma escola mais moderna e produtiva?

Seguindo mais uma vez as estratégias implementadas em minha própria escola, como exemplo (já que aqui deu certo), seguem-se algumas sugestões para professores e gestores.

Decisões e ações da gestão e da coordenação:

  1. delinear, em conjunto com os professores e com a comunidade, um projeto de uso das TICs em conformidade com o plano político-pedagógico da escola e tendo como parte explicita de seus objetivos a melhoria da qualidade dos processos de ensino e aprendizagem na escola;
  2. disponibilizar o uso da Sala de Informática da escola e, caso a escola não tenha nenhuma, solicitar que o estado ou a prefeitura monte uma na escola. Isso é mais fácil quando a escola tem um projeto de uso e você encontrará nesse blog (e na Internet) inúmeras possibilidades de uso que podem ser incorporadas no projeto da escola;
  3. instalar um sistema de internet sem fio que possibilite ao professor acessar a internet de todas as salas de aula a partir de seus notebooks. Isso é simples, apesar de não parecer, e se não for provido pela prefeitura ou pelo estado pode ser implementado pela própria gestão com um custo muito baixo;
  4. disponibilizar um datashow e notebooks para uso pedagógico e facilitar seu acesso e uso por parte dos professores; o mesmo vale para outros recursos mais simples, como câmeras digitiais, scanners, impressoras, etc.;
  5. disponibilizar horários específicos nas reuniões pedagógicas da escola para formação dos professores para o uso dos recursos que são oferecidos pela escola, para discussão de textos sobre a inserção de TICs na escola e na vida profissional dos professores e, sempre que possível, promover oficinas pedagógicas tratando do uso das TICs;

Decisões e ações dos professores:

  1. investir na aquisição de um notebook próprio, caso ainda não tenha nenhum, que disponha de wireless (possibilidade de acesso à internet sem fio);
  2. dispor-se a aprender colaborativamente com seus pares e seus alunos, ao invés de apenas esperar ações de formação provindas da coordenação, da gestão ou órgãos superiores;
  3. procurar informações na internet e dedicar em média uma hora diária para a aprendizagem auto-didata sobre o uso das TICs;
  4. transferir, aos poucos, os registros feitos em papel para o formato digital, usando documentos de texto e planilhas eletrônicas. Compartilhar com os colegas as suas idéias, planilhas e outros documentos;
  5. estabelecer como meta pessoal a construção de um perfil de professor digital.

Evidentemente todas as soluções encontradas por cada escola devem atender à sua própria realidade, precisam ser implementadas no tempo próprio e dentro das possibilidades reais da escola. Porém, a maior dificuldade para a transição da escola de nossos pais para a escola de nossos filhos ainda é o elemento que se encontra entre essas duas gerações, isto é, nós mesmos!

É vencendo nossas próprias dificuldades e assimilando novos paradigmas que poderemos construir uma escola e um mundo melhor, para todos e para nós mesmos. Considere isso antes de se conformar com a crença de que nada podemos fazer.

Referências de leitura na Internet:

(*) Para citar esse artigo (ABNT, NBR 6023):

ANTONIO, José Carlos. O uso das TICs na gestão pedagógica do processo de ensino e aprendizagem, Professor Digital, SBO, 23 abril 2010. Disponível em: <https://professordigital.wordpress.com/2010/04/23/o-uso-das-tics-na-gestao-pedagogica-do-processo-de-ensino-e-aprendizagem/>. Acesso em: [coloque aqui a data em que você acessou esse artigo, sem o colchetes].